Publicado em Sept. 11, 2018, 9:58 a.m.
O dia 11 de setembro é Dia do Cerrado, segundo maior bioma brasileiro. Conhecido como o “berço das águas da América Latina” e a “caixa d’água do Brasil”, o Cerrado abriga oito das doze regiões hidrográficas brasileiras e abastece seis das oito grandes bacias hidrográficas do país: Amazônica, Araguaia/Tocantins, Atlântico Norte/Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste e Paraná/Paraguai.
Seus originários 2 milhões de quilômetros quadrados correspondem a 24% do território nacional, compreendendo os estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, São Paulo, Paraná, Rondônia, além do Distrito Federal. Assim, o Cerrado é a principal paisagem de mais de 1.300 municípios onde vivem cerca de 25 milhões de pessoas.
“O Dia Nacional do Cerrado é emblemático pra nós, que somos geraizeiros, que temos nosso modo de vida ligado a esse bioma, que infelizmente vem sofrendo ameaças desde o pós-guerra, com a Revolução Verde, mas que, ao mesmo tempo, é um ambiente resistente e de resistência”, declara Samuel Caetano, técnico do CAA-NM e geraizeiro.
A devastação da cobertura vegetal desse importante bioma, fundamental para garantir os fluxos hídricos entre as diversas regiões do Brasil, chegou a 50%, segundo os dados mais recentes do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ou seja, metade do Cerrado já não existe mais e isso compromete nascentes, rios, riachos, seus povos e as mais de 7.000 espécies de flora nativa que concentram 5% de toda a biodiversidade do mundo.
“Apesar de sua importância para a conservação da biodiversidade mundial, o bioma está fortemente ameaçado pelo impacto e avanço de grandes empreendimentos, rodovias, hidroelétricas, monoculturas e mineração”, sublinha o engenheiro florestal Álvaro Carrara, da coordenação do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). “Além do impacto ocasionado pelos efeitos das mudanças do clima, em consequência de um modelo desenvolvimentista que não leva em conta a sustentabilidade socioambiental”, completa.
Crises hídricas, como as que vêm afetando várias regiões do país, estão relacionadas com essa devastação, uma vez que o Cerrado é o responsável por transportar a umidade e o vapor d’água da bacia amazônica para as regiões Sul e Sudeste do Brasil, permitindo a regularidade do regime de chuvas. Ainda de acordo com dados do MMA, mais de 14 mil quilômetros quadrados do bioma foram desmatados entre 2016 e 2017, o equivalente a 1,4 milhão de campos de futebol.
Todo conhecimento emana do povo
Em meio a tanta destruição, os povos indígenas, as comunidades quilombolas e comunidades tradicionais do Cerrado têm resistido bravamente em seus territórios, graças ao conhecimento ancestral de manejo e uso desses ambientes e ao desenvolvimento de tecnologias sociais de baixo custo.
Nesse sentido, o CAA-NM, ao longo de seus mais de 30 anos, vem fazendo um trabalho de suma importância junto a essas populações. “As áreas que ainda estão preservadas são aquelas que têm gente ali que sabe fazer o manejo dessa região, por meio de frentes diversas, como a agroecologia, a captação de água da chuva com a construção de tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, o agroextrativismo sustentável e beneficiamento de frutos do Cerrado para alimentação e comercialização, os mutirões de plantio de espécies nativas nas cabeceiras de nascentes, os trabalhos de formação junto às juventudes, crianças e mulheres, a homeopatia, entre outras ações”, descreve Samuel.
O caminho que o CAA-NM vem trilhando é justamente esse, apostando nas alternativas e possibilidades que estão na base, pois são essas pessoas que conhecem melhor os seus ambientes, que vivenciam esses desafios diariamente. Então nada melhor do que investir no conhecimento dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado para que o bioma continue existindo e resistindo.
A manutenção do Cerrado em pé também depende da transferência do conhecimento tradicional às novas gerações. A jovem Juliana Oliveira Santos, de 16 anos, moradora do Assentamento Extrativista Veredas Vivas, no Norte de Minas, conhece um bocado das propriedades de plantas medicinais nativas do Cerrado, pois quando criança costumava acompanhar o pai, Arcilo Elias dos Santos, mato adentro em busca de remédios naturais.
No entanto, devido à devastação do Cerrado, muitas dessas espécies estão desaparecendo. Além disso, Juliana observa que hoje as pessoas têm se desconectado desses saberes e recorrido somente à medicina convencional. “Eu me lembro que, antigamente, quando tínhamos alguma doença ou sofríamos alguma contusão, o que nos curava era a tintura de gervão feita em casa”, recorda. “Hoje em dia, qualquer coisa que a pessoa sente, ela toma logo um comprimido receitado pelo médico, que talvez possa até resolver um problema, mas que vai gerar outro em seguida”, lamenta.
Povos unidos em defesa do Cerrado
Com o apoio do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), agência implementadora do projeto DGM Brasil, mais de 60 iniciativas empreendidas por povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais espalhadas pelo Cerrado brasileiro têm contribuído para a conservação e desenvolvimento sustentável de seus territórios e culturas.
“Os povos indígenas e comunidades tradicionais exercem fundamental papel no uso, manejo e conservação dos recursos naturais, seja por meio de seus conhecimentos tradicionais transmitidos de geração em geração, seja por meio de suas práticas que contribuem para a sustentabilidade socioambiental”, enfatiza o engenheiro florestal Álvaro Carrara, coordenador do DGM Brasil. “Significativas áreas que hoje estão preservadas encontram-se em territórios sob domínio desses povos e comunidades”, reforça.
Portanto, o objetivo do projeto é promover e aprimorar as práticas tradicionais de uso e manejo dos recursos naturais, proteção e gestão territorial e de ampliar as capacidades das lideranças e suas organizações de incidir em espaços de formulação de políticas públicas que promovam a sustentabilidade socioambiental do Cerrado brasileiro.
#Cerrado Em Pé Pelas Mãos dos Povos
A partir de hoje, Dia Nacional do Cerrado, o DGM Brasil inicia a campanha #Cerrado Em Pé Pelas Mãos dos Povos, com a divulgação, nas redes sociais, de depoimentos representantes de povos e comunidades tradicionais do segundo maior bioma brasileiro. Quem desejar aderir à campanha basta gravar um vídeo respondendo à pergunta “O que o Cerrado significa para você?” e enviar para: comunicacaodgm@caa.org.br