Publicado em June 18, 2018, noon
Entre os dias 31 de maio e 03 de junho foi realizado o IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA), no Parque Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais. Com o lema Agroecologia e Democracia Unindo Campo e Cidade, o IV ENA reuniu duas mil pessoas de todos os estados brasileiros.
O Comitê Gestor Nacional do DGM Brasil foi representado pela quebradeira de coco-babaçu Maria do Socorro Teixeira Lima, pela indígena Anália Tuxá e pelo guardião de sementes crioulas Cristovino Ferreira Neto, que fizeram denúncias sobre as violações de direitos em seus territórios e partilharam experiências.
Na tenda de trocas de experiências de organizações e movimentos do estado do Tocantins, Dona Socorro contou como a produção de grãos e fibras na região do Matopiba, considerada a grande fronteira agrícola nacional da atualidade, tem oprimido as comunidades tradicionais. O Matopiba compreende o bioma Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“Além dos vários conflitos de terra causados pelas empresas sediadas no Matopiba, temos envenenamentos e destruição de vegetação nativa. Para piorar a situação, tem deputado tentando derrubar a lei do babaçu livre para beneficiar o capital”, se indignou Dona Socorro, que também está à frente da coordenação financeira do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), é presidente nacional da Rede Cerrado e secretária de administração e finanças do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais do município de Praia Norte.
Ações de enfrentamento contra a devastação ambiental no Cerrado
Colaboradoras e colaboradores do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), agência executora nacional do DGM Brasil, contribuíram na organização do evento e conduziram atividades ligadas a mudanças climáticas e agroecologia, acesso a fundos, além do compartilhamento de experiências de projetos no bioma Cerrado.
Na Instalação Pedagógica do Cerrado, a indígena Xakriabá e engenheira florestal Fabriciane Oliveira relatou quais os principais problemas enfrentados atualmente em seu território, que fica próximo ao município de São João das Missões (MG): “Estamos inseridos no Norte de Minas, que é uma região muito seca, além disso, o nosso território sofreu anteriormente a influência de tecnologias de fora, como o uso de agrotóxicos e tratores, fatores que contribuíram para secar as nascentes. Com isso, ficamos muito dependentes de poços artesianos. Então, hoje temos o desafio de tentar recuperar essas nascentes e os rios que já secaram, por meio de projeto de restauração de recursos naturais aprovado junto ao DGM Brasil, buscando maneiras alternativas de conviver com essa seca”.
Mudanças climáticas e agroecologia
No seminário de Mudanças Climáticas e Agroecologia, projetos e comunidades de norte a sul do país, bem como de outros países latino-americanos, puderam compartilhar experiências que contribuem para a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças do clima, bem como denunciar o impacto das “falsas soluções” encontradas por algumas políticas e programas relacionados. Participaram do debate: Centro Sabiá (Articulação Semiárido Brasileiro), Embrapa Amazônia Oriental, Água dos Gerais (DGM Brasil) e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Durante a discussão, o geraizeiro Valdir da Silva, morador da comunidade de São Modesto, município de Montezuma, Norte de Minas, apresentou os avanços do subprojeto Água dos Gerais, aprovado no primeiro edital do DGM Brasil, cujo objetivo é restaurar os recursos hídricos existentes nas comunidades que compõem a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes Geraizeiras, nos municípios de Rio Pardo de Minas, Vargem Grande do Rio Pardo e Montezuma: “A área onde hoje se encontra a RDS foi, no passado, muito destruída pela monocultura de eucalipto e mineração, atividades que extinguiram todas as nascentes do território, deixando apenas uma. Para enfrentar a situação, desde setembro de 2017 temos formado mutirões nas mais de 20 comunidades para a realização de plantio de espécies do Cerrado nas cabeceiras de nascentes, no intuito de restaurar a vegetação nativa e produzir água novamente”.
O coordenador do DGM Brasil, o engenheiro florestal Álvaro Carrara, fez questão de reforçar: “Não foram os povos indígenas, nem as comunidades quilombolas e tradicionais que causaram as mudanças climáticas, mas são elas as mais impactadas pelos seus efeitos. Por fim, são essas as comunidades que estão trazendo propostas de superação das dificuldades trazidas pelas mudanças climáticas e empreendendo ações nesse sentido. Portanto, a gente acredita que esses apoios e financiamentos, como o próprio DGM Brasil, que é executado pelo CAA-NM, devem trazer a libertação dessas comunidades e não a sua escravização”.
Acesso a fundos
Ainda no âmbito da programação do IV ENA, o DGM Brasil propôs uma oficina sobre acesso a fundos, que contou com a partilha de experiências dos projetos: Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-Ecos), coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN); Fundo Dema, executado pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase); e o DGM Brasil, coordenado pelo CAA-NM.
Subprojetos no IV ENA
O IV ENA também contou com a contribuição de representantes de outros subprojetos aprovados no primeiro edital do DGM Brasil, integrantes das entidades Associação Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal (ARPEP), Centro de Tecnologia Alternativa (CTA), Associação Regional de Mulheres Trabalhadoras do Bico do Papagaio (Asmubip), Associação Amanu - Educação, Ecologia e Solidariedade (Amanu), Rede Cerrado, Associação do Povo Indígena Kraho-Kanela (Apoinkk), além de indígenas Xakriabá (https://bit.ly/2HqZ29B / https://bit.ly/2HnTMDS) e geraizeiros da região do Alto Rio Pardo de Minas.
“Estamos muito preocupados com a questão da proteção e demarcação das terras indígenas no Brasil. Na minha região, no Tocantins, a soja tem avançado muito, o agronegócio, que se sobrepôs aos nossos territórios, com as sementes transgênicas e os agrotóxicos, está devastando a natureza, secando nossos rios e lagos. Por isso, esperamos dos governos municipais, estaduais e federal, que a causa indígena seja levada a sério, pois somos capazes de produzir nosso próprio alimento, de proteger nosso território e não vamos desistir da luta pela demarcação. Esperamos também o fortalecimento do órgão indigenista que é a Funai”, declarou Wagner Kraho-Kanela, coordenador do subprojeto Irom Cati. “Acredito que o IV ENA vai trazer muitas ideias e caminhos de fortalecimento da vida dos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais”, acrescentou.
Paulo Rogério, mais conhecido como Paulão, da APA-TO, avaliou: “O ENA é um encontro extremamente significativo para a realidade do campo e das cidades brasileiras, para o diálogo por uma alimentação saudável e segurança alimentar para todos os povos, inclusão de todas as etnias, povos e grupos sociais. Temos aqui um grande grupo reunido, discutindo um futuro melhor para o nosso país, que se baseie na inclusão social, soberania alimentar, produção sustentável, sustentabilidade ambiental, além de lógicas, processos e maneiras de termos uma relação mais humanizada entre as pessoas, os recursos naturais e o mundo espiritual”.
Encerramento do IV ENA
Durante a plenária de encerramento do IV Encontro Nacional de Agroecologia, Anália Tuxá leu a carta de denúncias e propostas dos povos indígenas e comentou: “Eu fico muito triste de saber que em pleno século XXI, a gente ainda vê tantas negações de direitos dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais. Porque quem cuida da terra, do território, são aqueles que estão nas comunidades. Onde eles estão, tem mata, peixe, animais silvestres convivendo no mesmo habitat. Mas me sinto muito feliz de poder participar pela primeira vez do ENA e ainda mais feliz de poder ter tido esse encontro com outras comunidades. Nesse momento, é tempo de unir, de lutar pelo mesmo direito, que é o direito da Mãe Terra”.
Anália também homenageou as guerreiras e guerreiros que tombaram na luta: “Não é momento mais de ficar sofrendo nas nossas bases, de ficar vendo nossos povos sofrerem, e sim de reconhecer as lideranças que tombaram por lutar por esses direitos. Na cidade, lembremo-nos da execução de uma mulher negra de periferia. Eles mataram Marielle Franco, mas a sua memória ainda reverberará por toda a eternidade. Ela deixou um legado para os jovens e os velhos. Uma moça jovem, que tinha sonhos e que tinha esperança de ver um mundo melhor. Marielle vive! Uma salva de palmas também para Galdino Pataxó e Xicão Xucuru, que foram executados por lutarem pelo direito à terra”.
Leia a carta do IV ENA: https://bit.ly/2LujRDD