Povos Tradicionais e acesso ao Fundo Verde do Clima

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Publicado em 21 de Novembro de 2016 às 15:28

Por Álvaro Carrara - Engenheiro Florestal

Membro da Agência Executora Nacional (CAA/NM)

Coordenador do projeto DGM/FIP/Brasil e participante da COP 22

 

No dia 07 de novembro, três dias após a entrada em vigor do Acordo de Paris, foi iniciada a 22ª Conferência Quadro das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP 22) na cidade de Marrakesh, no Marrocos. O evento realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) reúne, anualmente, representantes de diversos países com o intuito de discutir as mudanças no clima do planeta. A edição deste ano marcou o momento de regulamentação do Acordo de Paris e definição das regras a serem implementadas pelos países. O Acordo de Paris tem como objetivo principal manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C, acima dos níveis pré-industriais, além de realizar esforços para limitar o aumento da temperatura, em 1,5°C.

Patricia Espinosa, secretária executiva da Conferência Quadro das Nações Unidas (UNFCCC), abriu a sessão da COP22 enumerando cinco áreas chave de trabalho a serem desenvolvidas:

- Ampliação do financiamento necessário para um desenvolvimento com baixo nível de emissões de gases de efeito estufa e resiliência às mudanças climáticas.

- Integração das Contribuições Nacionais Determinadas nas políticas nacionais e nos planos de investimento.

- Apoio às medidas de adaptação que logrem avanços nos mecanismos de perdas e danos para salvaguardar o progresso de desenvolvimento no seio das comunidades mais vulneráveis.

- Abordagem das necessidades de fomento da capacidade dos países em desenvolvimento de forma adaptada e específica às suas realidades e prioridades.

- Participação plena dos interessados que não são Partes, tanto no Norte quanto no Sul, já que são fundamentais na agenda de ação global para levar à cabo uma mudança transformadora.

Desde o início da COP22, representantes de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (sigla PICLs, em inglês) de todos os continentes do planeta se reuniram diariamente para debater sobre em que medida o Fundo Verde para o Clima (GCF) incluirá o papel dos Povos Tradicionais, conforme preconizado no Acordo de Paris. Embora uma grande parte das florestas esteja sobre territórios de PICLs, os documentos do GCF não mencionam estas comunidades – que são apenas citadas indiretamente, através das salvaguardas sobre a aplicação dos fundos.

A representante dos povos indígenas do Nepal, Joan Carling (Asia Indigenous People - AIPP), destaca que o fundo também ameaça os PICLs através de projetos como a instalação de parques eólicos, hidroelétricas e monoculturas de eucalipto que expulsam as comunidades de seus territórios, muitas vezes sem a realização de consulta prévia. Desconsideradas as salvaguardas sociais e ambientais, os territórios não são compensados legalmente e tal situação ainda põe em risco a própria sobrevivência e manutenção dos modos de vida tradicionais. “Energias eólicas e usinas hidroelétricas, tidas como limpas, estão sacrificando PICLs em nome do controle da mudança climática”, diz Joan Carling.  “Estão adquirindo suas terras em nome do desenvolvimento e da mitigação da mudança climática, sendo necessário um marco claro para assegurar os direitos de PICLs, além da repartição de benefícios”. No Nepal, 40% da população são povos indígenas. A representante sustenta que o governo “tem a obrigação de respeitar os seus direitos assegurados em vários tratados e convenções mundiais”.

Tarcila Rivera Zea, representante do Centro de Culturas Indígenas do Peru (CHIRAPAQ), destaca as contribuições dos PICLs em responder aos impactos das mudanças climáticas relacionados a três aspectos: saúde, alimentação e meios de vida sustentável. Segundo ela, alguns exemplos são a produção de alimentos pela agricultura familiar, tanto para o autoconsumo quanto para a exportação, além do uso e conservação de espécies resilientes às mudanças climáticas como milho e batata (o Peru detém 4.000 variedades de batatas) e à escassez hídrica. Também se destaca a recuperação de sistemas de conhecimento sobre o uso de espécies para a cura de doenças. “O sistema de conhecimento está relacionado ao sistema de manejo e uso adequado dos recursos naturais, tal como usar melhor a pouca água existente”, afirma Tarcila.  A atuação das mulheres na conservação da biodiversidade através do conhecimento tradicional também merece destaque. Estas ações reforçam a ideia de que os PICLs necessitam de acesso direto aos fundos climáticos: “os PICLs não são um estorvo, um problema, mas sim, parte do desenvolvimento sustentável. Necessitam que os fundos decentes fortaleçam estas iniciativas”, concluiu Tarcila.

Gracie Balawag, da Filipinas, representante da organização TEBTEBBA e integrante do Comitê Gestor Global do Mecanismo de Apoio Dedicado (CGG/DGM) a PICLs do Programa de Investimento Florestal (FIP), ligado ao Fundo do Investimento do Clima (CIF), apresentou as reinvindicações de maior participação dos Povos Tradicionais nas discussões e decisões acerca da aplicação do Fundo Verde para o Clima. “É necessário participar da governança do GCF para questionar a aplicação dos recursos em projetos financiados pelo fundo e a adoção de mecanismos específicos para PICLs, a exemplo de outros fundos para o clima”. Gracie destacou também a necessidade de acesso direto aos fundos pelas organizações de PICLs, ao invés da burocracia estabelecida no âmbito dos governos nacionais e que dificultam ou impedem a participação dos mesmos no acesso aos recursos financeiros.

Kimaren Ole Riamit, representante da organização Indigenous Livelihoods Enhancemente Parthers e observador do GCF, destaca que os PICLs demandam uma participação não só como observadores, mas como partes do processo de discussão e tomada de decisões acerca da aplicação do Fundo Verde para o Clima. Destaca que “os PICLs não são incluídos como parte independente”, e reclama que a direção do GCF adote as reinvindicações dos PICLs, implementando políticas específicas para os mesmos. Kimaren ressalta ainda a necessidade dos países adotarem políticas específicas para estas comunidades na aplicação do GCF, considerando efetivamente a participação, a inclusão e seus direitos conquistados. E que amplie as suas capacidades para participarem e acessarem o GCF, entre outros fundos e mecanismos de controle, mitigação e adaptação às mudanças do clima.

Para João Nonoy Krikati, liderança indígena e representante do Comitê Gestor Nacional do DGM Brasil, é preciso aumentar a participação dos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais brasileiros. “No mundo todo está correndo este risco [de degradação ambiental]. Estamos discutindo, tentando conversar com os governos para ajudar. Nós temos que agir para impedir este desmatamento e degradação do meio ambiente”.

Participantes da reunião ressaltaram que os Povos e Comunidades Tradicionais têm sido atropelados pelas políticas de governos que, muitas vezes, não reconhecem os PICLs. “Como então apoiar estes fundos?”, foi a preocupação dos participantes do Fórum de PICLs durante a COP 22. As organizações credenciadas para acessar o GCF não representam os Povos Tradicionais, e poucas têm atuação junto a estas comunidades. Outra questão apontada é a de que os países devem dar espaço aos PICLs na plataforma de acesso aos recursos dos fundos, facilitando a participação destes nos mecanismos e políticas nacionais. Este acesso melhoraria a autonomia dos Povos, que poderiam então monitorar intervenções em seus territórios, tendo direito de decidir como manejar seus recursos. Os participantes debateram ainda a ideia de um financiamento pelo trabalho já desenvolvido pelos Povos, “investindo em suas capacidades e no aprendizado sobre temas que não conhecem, mas tem o direito de conhecer, de decidir e participar no destino destes fundos que vai beneficiar o país”, tendo oportunidade de continuar desenvolvendo de forma sustentável em seus territórios.